Intertextualidade: é a relação entre dois textos
caracterizada por um citar o outro. Segundo Julia Kristeva: todo texto é um
mosaico de citações, todo texto é uma retomada de outros textos. Tal
apropriação pode-se dar desde a simples vinculação a um gênero, até a retomada
explícita de um determinado texto.
As
várias formas de apropriação textual
A – Epígrafe
Como se pode ver pela etimologia da palavra
(de grego epi = em posição superior +
graphé = escrita), epígrafe constitui uma escrita
introdutória de outra. Ela implica sempre um recorte de outro texto que é
presentificado e, conseqüentemente, modificado em seu contato com o novo texto,
sobre o qual lança novos sentidos. O texto em epígrafe é presentificado e
modificado porque se expõe, como recorte, à nova leitura. Por outro lado,
modifica o texto a que está agregado.
B- Citação
À retomada explícita de um fragmento de texto
no corpo de outro texto denomina-se citação. Trata-se, tradicionalmente, de um
modo convencionado de marcar com aspas ou com outros recursos gráficos a
presença do texto do outro para o leitor. Tal prática é muito comum no meio
acadêmico, onde as fontes de pesquisa devem ficar evidentes.
C- Alusão
Trata-se
de um tipo de intertextualidade fraca, uma vez que se nota apenas uma leve
menção a outro texto ou a um componente seu.
As
formas de intertextualidade até aqui trabalhadas são fracas, pois não
comprometem todo o texto, mas apenas pequenos trechos dele. Pode-se, nesse
caso, falar de relação intertextual localizada. Ao contrário, no caso da
paráfrase, da paródia e do pastiche, a associação intertextual envolve a maior
parte do texto, em sua construção e leitura. É bom lembrar, entretanto: isso
não significa que o texto-matriz seja retomado na sua totalidade, pois, mesmo
quando se retorna um só elemento dele, toda a construção de sentido do outro
texto pode modificar-se.
Quando
a recuperação de um texto por outro se faz de maneira dócil, isto é, retomando
seu processo de construção em seus efeitos de sentido, dá-se a paráfrase. Também resumir ou recontar
uma história é parafraseá-la. É bom ressaltar que forma intertextual não se
confunde com o plágio, porque ela deixa clara a fonte, a intenção de dialogar
com o texto retomado, e não de tomar seu lugar.
D. Paródia
A paródia é, pois, uma forma de aproximação
que, em lugar de endossar o modelo retomado, rompe com ele, sutil ou
abertamente. Muitas vezes a paródia,
ainda que conservando sua característica de rompimento, presta uma homenagem ao
texto retomado ou ao seu texto.
6. Poema de sete faces
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
Quando
nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(...)
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
(...)
Meu Deus,
por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo
mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
se eu me chamasse Raimundo,
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não
devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
7. Com licença poética
Adélia Prado
Quando nasci
um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade da alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
A paródia está sempre funcionando na literatura e na sociedade como um canto que desafina o tom elogioso, bem-comportado, conservador das práticas discursivas hegemônicas.
Com elementos da paródia e, ao mesmo
tempo, afastando dela, está o pastiche.
Esse termo pode ser usado no sentido pejorativo de pasteurização e degradação
do modelo. Entretanto, seu funcionamento intertextual é bem mai amplo.
No processo intertextual, o pastiche
assume os traços de um estilo com tal ênfase que o sentido se torna deslocado.
Ele não retoma necessariamente textos específicos, mas reporta-se a todo um
gênero. O pastiche não tem um
impulso satírico como a paródia, mas de “seriedade”. Enquanto a paródia é um
desvio da norma, ao questioná-la radicalmente, o pastiche vai investir na norma
a ponto de esvaziá-la. A paródia tem relação de negatividade com o texto-base,
enquanto o pastiche é positivo ao assumir, de fato, as características do
gênero. A diferença está na recepção que não consegue mais ser idêntica à de um
drama do passado. O receptor não tem a nostalgia da obra original. Ele assume
que está diante de uma cópia e nem por isso a desvaloriza.
8. Bom Conselho
Chico Buarque
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
09. Construção
Chico Buarque
Amou daquela vez como se fosse a
última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão prá dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague
Referência bibliográfica:
PAULINO, Maria das Graças Rodrigues, WALTY, Ivete Lara Camargos, CURY, Maria Zilda Ferreira. Intertextualidades: Teoria e Prática. Belo Horizonte: Editora Lê. 1997.
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